12 Abril 2022
“Seria ótimo para a nossa sociedade, para a luta contra a desigualdade de renda e pela dignidade do trabalho e dos trabalhadores, se o esforço de organização dos trabalhadores na Amazon se expandisse por toda aquela corporação. Nenhuma empresa se mostrou mais hegemônica em suas práticas de negócios, inclusive em relação aos trabalhadores, do que a Amazon”, escreve o jornalista estadunidense Michael Sean Winters, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 11-04-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Derrick Palmer e Christian Smalls, os dois trabalhadores que tiveram sucesso em organizar um sindicato no depósito da Amazon em Staten Island, não apenas chacoalharam a empresa com sua surpreendente vitória. Eles chacoalharam o movimento trabalhista também.
“Diferente de sindicatos tradicionais, o Amazon Labor Union (Sindicato de Trabalhadores da Amazon) dependeu apenas de trabalhadores atuais e antigos, em vez de sindicalistas profissionais na campanha em Staten Island”, escreveu Noam Scheiber, o correspondente sobre mundo do trabalho do New York Times. “Para financiamento, apelaram ao GoFundMe em vez de cofres sindicais construídos pela existência de seus membros. Espalharam a palavra das salas de descanso aos churrasquinhos do lado de fora do depósito”.
Scheiber colocou uma questão provocativa: “O movimento trabalhista precisa ser mais desorganizado?”.
Sim e não. Como Scheiber observou, mesmo esse esforço de organização local em Staten Island recebeu alguma ajuda de sindicatos estabelecidos. Assistência jurídica pro bono, espaço de escritório e uma plataforma de mensagens foram concedidos ao novo sindicato. E, se a Amazon contestar o resultado, a luta pela organização pode continuar por muito tempo. O poder de permanência é difícil de obter sem recursos de fora da força de trabalho discreta em uma fábrica específica.
“Toda campanha de organização bem-sucedida precisa ser de propriedade e conduzida pelos próprios trabalhadores”, disse Adrienne Alexander, presidente da Catholic Labor Network, ao NCR por e-mail. “E tem sido realmente emocionante neste caso ver um esforço tão popular ser bem-sucedido contra uma corporação tão grande e notoriamente antissindical. Os esforços podem ser amplificados pela experiência e pelos recursos que um sindicato nacional pode fornecer – e pelos laços de solidariedade que uma conexão tão maior traz. Todas essas coisas são especialmente importantes, pois os trabalhadores dão o próximo e árduo passo de garantir um primeiro contrato”.
Considere as táticas que a Amazon emprega para derrotar os esforços para formar um sindicato. A empresa jogou duro. Smalls foi demitido. Reuniões obrigatórias para funcionários alertavam contra os supostos perigos de se filiar a um sindicato, sugerindo que seus salários poderiam ser cortados. Os gerentes repetiram a clássica linha antissindical de não querer que um “terceiro”, o sindicato, se interpusesse entre a empresa e seus empregados.
Quando o esforço de organização é conduzido de dentro, os organizadores podem atestar a injustiça de demitir aqueles que, como Smalls, tentam formar um sindicato. Eles podem falar nas reuniões e desafiar a propaganda da empresa. E eles podem dizer: “Que terceiro? Eu trabalho aqui”, quando a corporação finge que um sindicato é tudo menos a união dos trabalhadores.
Ter um comitê de trabalhadores liderando o esforço resulta em outros benefícios também. Ao contrário dos organizadores que são levados para liderar uma campanha, os organizadores de base conhecerão pessoas da comunidade, de pastores a repórteres locais, policiais e funcionários públicos. Eles podem contar com sua ajuda para derrotar as mentiras que as corporações espalham e aumentar as apostas caso a empresa jogue duro. Nenhuma empresa quer que um ministro ordenado vá à televisão local para denunciar o tipo de tática dura vista na Amazon.
Os católicos vinculam nosso compromisso de solidariedade com nosso compromisso de subsidiariedade. De fato, como explicou o especialista em doutrina social católica Stephen Schneck, a subsidiariedade é a maneira como organizamos a solidariedade. A aplicação aqui é óbvia: é o papel dos sindicatos nacionais ajudar os trabalhadores locais a se organizarem, não tentar fazer a organização para eles. Grande parte da discussão sobre subsidiariedade se concentra em qual é o nível apropriado da sociedade para uma determinada decisão ou ação, mas às vezes esquecemos o que a palavra significa: subsidium, o radical de subsidiariedade, significa em latim “ajuda”. O enquadramento binário do artigo do Times – trabalho organizado ou trabalho desorganizado – perde esse ponto.
Seria ótimo para a nossa sociedade, para a luta contra a desigualdade de renda e pela dignidade do trabalho e dos trabalhadores, se o esforço de organização dos trabalhadores na Amazon se expandisse por toda aquela corporação. Nenhuma empresa se mostrou mais hegemônica em suas práticas de negócios, inclusive em relação aos trabalhadores, do que a Amazon.
Mas o fermento trabalhista se estende além da Amazon, e a Igreja Católica precisa intensificar e liderar pelo exemplo. Conforme relatado recentemente aqui no NCR por minha colega Melissa Cedillo, os trabalhadores de uma casa de repouso no norte de Nova York, de propriedade da Ascension Living, estão sem contrato desde o primeiro dia do ano e realizaram uma greve de um dia no início de março para pedir mais remunerações.
A Ascension Living faz parte da Ascension, o conglomerado de saúde com sede em St. Louis que também se especializou em excessos capitalistas ao longo dos anos. Em 2018, escrevi sobre o meu espanto com o fato de a empresa ter pago ao seu CEO na época, Anthony Tersigni, 13 milhões de dólares em 2015 e 17,6 milhões de dólares no ano anterior. Ele renunciou meses depois.
É hora de o Vaticano considerar a alteração da lei canônica para que todas as organizações católicas vivam por um propósito contra a desigualdade de renda, que o funcionário mais bem pago de um hospital ou universidade católica ou outra agência não ganhe mais de 10 vezes, ou 20 vezes, que o funcionário mais mal pago.
A economia foi profundamente afetada pela pandemia e os trabalhadores estão em uma posição forte. O último relatório de empregos indicou que o mercado de trabalho está extremamente apertado, dando aos trabalhadores mais influência nas negociações com os empregadores. Que outras mil campanhas de organização sindical floresçam em solo tão fértil! O benefício adicional de fortalecer nossa democracia ao capacitar os cidadãos a fazer uma causa comum é quase tão importante quanto ter salários mais altos e as melhores condições de trabalho que um sindicato traz.
Derrick Palmer e Christian Smalls martelaram um grande prego no caixão do neoliberalismo. Esperamos que o enterro seja logo.
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Celebrando – e imitando – a vitória dos trabalhadores contra a Amazon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU